quarta-feira, 23 de maio de 2012

O Assalto - Luís Fernando Veríssimo

Alô? Quem tá falando?
— Aqui é o ladrão.
— Desculpe, a telefonista deve ter se enganado, eu não queria falar com o dono do banco. Tem algum funcionário aí?
— Não, os funcionário tá tudo refém.
— Há, eu entendo. Afinal, eles trabalham quatorze horas por dia, ganham um salário ridículo, vivem levando esporro, mas não pedem demissão porque não encontram outro emprego, né? Vida difícil... mas será que eu não poderia dar uma palavrinha com um deles?
— Impossível. Eles tá tudo amordaçado.
— Foi o que pensei. Gestão moderna, né? Se fizerem qualquer crítica, vão pro olho da rua. Não haverá, então, algum chefe por aí?
— Claro que não mermão. Quanta inguinorânça! O chefe tá na cadeia, que é o lugar mais seguro pra se comandar assalto!
— Bom... Sabe o que que é? Eu tenho uma conta...
— Tamo levando tudo, ô bacana. O saldo da tua conta é zero!
— Não, isso eu já sabia. Eu sou professor! O que eu queria mesmo era uma informação sobre juro.
— Companheiro, eu sou um ladrão pé-de-chinelo. Meu negócio é pequeno. Assalto a banco, vez ou outra um sequestro. Pra saber de juro é melhor tu ligá pra Brasília.
— Sei, sei. O senhor ta na informalidade, né? Também, com o preço que tão cobrando por um voto hoje em dia... mas, será que não podia fazer um favor pra mim? É que eu atrasei o pagamento do cartão e queria saber quanto vou pagar de taxa.
— Tu tá pensando que eu tô brincando? Isso é um assalto!
— Longe de mim pensar que o senhor está de brincadeira! Que é um assalto eu sei perfeitamente; ninguém no mundo cobra os juros que cobram no Brasil. Mas queria saber o número preciso: seis por cento, sete por cento?
— Eu acho que tu não tá entendendo, ô mané. Sou assaltante. Trabalho na base da intimidação e da chantagem, saca?
— Ah, já tava esperando. Você vai querer vender um seguro de vida ou um título de capitalização, né?
— Não...já falei...eu sou... Peraí bacana... hoje eu tô bonzinho e vou quebrar o teu galho.
(um minuto depois)
— Alô? O sujeito aqui tá dizendo que é oito por cento ao mês.
— Puxa, que incrível!
— Incrive por que? Tu achava que era menos?
— Não, achava que era mais ou menos isso mesmo. Tô impressionado é que, pela primeira vez na vida, eu consegui obter uma informação de uma empresa prestadora de serviço pelo telefone em menos de meia hora e sem ouvir 'Pour Elise'.
— Quer saber? Fui com a tua cara. Acabei de dar umas bordoadas no gerente e ele falou que vai te dar um desconto. Só vai te cobrar quatro por cento, tá ligado?
— Não acredito! E eu não vou ter que comprar nenhum produto do banco?
— Nadica de nada, já ta tudo acertado!
— Muito obrigado, meu senhor. Nunca fui tratado dessa...
(De repente, ouvem-se tiros, gritos)
— Ih, sujou! Puliça!
— Polícia? Que polícia? Alô? Alô?
(sinal de ocupado)
— Droga! Maldito Estado: quando o negócio começa a funcionar, entra o Governo e estraga tudo!

                  

domingo, 13 de maio de 2012

Festa das Mães - Escola Adélia Leal Ferreira

Feliz Dia das Mães! 
O grupo Cochichando Poesias participou da festa das mães sussurando poemas.Foi uma noite muito bonita com a escola repleta de mães, como vocês podem conferir em nossa galeria de fotos!















segunda-feira, 7 de maio de 2012

Dia 07 de Maio - Dia do Silêncio


Com tanto barulho por toda parte, que tal exercitarmos hoje o silêncio!

Vida de Acompanhante - Carlos Eduardo Novaes

Ana teve que fazer uma pequena intervenção cirúrgica e me convidou para ser seu acompanhante na casa de saúde. Bem, normalmente evito passar até na porta de um hospital (atravesso sempre para o outro lado da rua, receoso de apagar diante de um bafo mais forte de éter). Aquela situação, porém, não me permitia simplesmente bater em retirada. Mesmo assim, o medo falou mais alto e bem que tentei cair fora:

- Escuta, Ana, quero lhe dizer que me sinto profundamente honrado com o convite que você me faz para ser seu partner no hospital mas... Será que vai pegar bem? Será que o pessoal do hospital não vai reparar de você ter o próprio marido como acompanhante? Você sabe como é esse pessoal de hospital, fala demais. Vão dizer que você é uma mulher absorvente, ciumenta, que não larga o marido nem para ser operada.
- Se você não quiser ir - disse ela muito segura - eu chamo outra pessoa.
- Não, Ana. Que é isso? Eu vou, claro. Tamos aí, firme e forte. O problema é que não tenho muita experiência. Talvez pudéssemos chamar outra pessoa para ir com a gente. Na minha vida, só entrei como acompanhante em baile de formatura. O convite do hospital dá direito a levar quantos acompanhantes?
- Um. Um só. E vai ser você. Ou será que você está com medo?
- Quem, eu? - dei aquela do machão. - Você não me conhece... Sou uma fera braba dentro de um hospital.
- Tenho a impressão de que você está com medo.

Não adianta fingir, pensei. Resolvi me entregar:
- Morrendo, Ana. Tô morrendo de medo. Não sei se vou agüentar. Tenho pavor de entrar em hospital, aquele clima, aquele cheiro... Veja, já estou suando só de pensar.
- fique tranqüilo - disse ela me afagando - não precisa se preocupar. Não vou deixá-lo sozinho.
- Você jura? Mas e quando você estiver na sala de cirurgia, quem vai tomar conta de mim?
- Fique calmo, bobinho. Deixo minha irmã tomando conta de você. Eu volto logo. Qualquer coisa, estarei ao seu lado.

A conversa foi muito reconfortante. Ana procurou me dar força e, depois de ouvi-la durante três horas, senti que já estava psicologicamente preparado para enfrentar a situação de acompanhante.

- Não precisa ficar nervosa - disse ao vê-la tensa - vai correr tudo bem: não vou dar nenhum trabalho. - Restava saber o que faz um acompanhante. Liguei para uma amiga que, no ano passado, acompanhou quatro parentes (foi até eleita a Acompanhante do Ano) e perguntei se havia necessidade de levar uma maletinha de primeiros socorros com gaze, esparadrapo, mercuriocromo.

- Só se a operação fosse no meio da selva - disse ela.
Fique descansado, acompanhante é uma boa. Só tem que chamar a enfermeira, apanhar um copo de água de vez em quando... Acompanhante trabalha menos do que vice-presidente da República.
Pouco antes de partirmos para a casa de saúde fomos arrumar a mala. Tudo era novo pra mim. Não tinha a menor idéia de como deve se vestir um acompanhante. Ana empilhava suas camisolas, enquanto eu permanecia parado olhando - com um olhar bovino- para o armário.
- Que tal levar um calção de banho? - perguntei.
- Prum hospital?
- Nunca se sabe, pode pintar um piquenique com as enfermeiras. Acho que vou levar também minha roupa de tênis.

Ana espantou-se.

- É a única roupa branca que tenho. Nos hospitais não andam todos de branco?
- E pra que a raquete?
- Que pergunta, Ana! Pra não ser confundido com um médico, claro.

No fundo, talvez quisesse me convencer de que iríamos apenas passar um meio de semana fora. Saímos. Ana, como é natural, mostrava-se apreensiva com a operação e quando paramos na recepção do hospital a enfermeira não teve a menor dúvida sobre quem era o paciente: eu. Lívido, trêmulo, transparente, preenchendo a ficha, ainda ouvi a enfermeira perguntar a Ana se minha operação era delicada. Foi a última coisa que ouvi. Sem muito preparo para respirar aquele cheiro de hospital, desmontei no chão. Armou-se a maior confusão. Deitado num sofá de portaria ouvia todos gritando à minha volta:
- Levem-no para o CTI - gritou um.
- Tragam uma maca. Uma maca!
- Vamos operá-lo imediatamente.

Uma ambulância - comecei a berrar, esperneando - chamem uma ambulância!
- Não precisa. O senhor já está num hospital.
- Por isso mesmo. Chamem uma ambulância pra me tirar daqui!

A um canto, braços cruzados, Ana assistia à cena. Custei um pouco a me refazer. Subimos ao apartamento no terceiro andar aonde Ana iniciaria os preparativos para a cirurgia. Entramos e estávamos por ali inspecionando o quarto - eu muito branco - quando chegou uma enfermeira e nem se deu ao trabalho de perguntar quem iria ser operado. Virou-se para mim e ordenou:
- Tire a roupa.

A ordem me apanhou de surpresa. Afinal passei horas arrumando minha mala, não custava nada alguém me informar que o acompanhante devia ficar nu. Contrariado, olhei firme para a enfermeira e como não gostei do seu jeito resolvi desafiá-la:

- Tire você primeiro.
- Mas... mas eu não vou ser operada.
- Nem eu.
- Mas, então, que é que o senhor está fazendo deitado na cama do paciente?

A enfermeira obrigou-me a levantar. Como? Com dor de cabeça, falta de ar, tonto, só consegui sair carregado por ela e por Ana. As duas me botaram sentado numa cadeira de fórmica. Às dezessete horas, Ana iniciou os preparativos preliminares para a operação (marcada para as vinte e uma e trinta). Nesse momento, entrou uma atendente trazendo uma bandeja com alguns pratos e colocou-a na minha frente:
- o senhor não vai comer? Levantei a tampa: arroz, verduras, batata frita, uma coxinha de galinha.
- Não, obrigado. Já almocei.
- Isso é o jantar.

Ah, sim, desculpe - disse conferindo o relógio. - Meu relógio parou... Estou certo que ainda são cinco horas. Que horas são para eu acertar o meu?
- Cinco horas.
- Cinco horas? Jantar às cinco? Não, obrigado - a atendente foi saindo; chamei na porta: - por favor, você pode me dizer a que horas servem o almoço? É que só acordo depois das oito. Talvez precise botar o despertador.

Ana deitou-se para repousar enquanto aguardava o momento de seguir para a sala de cirurgia. Passando mal, muito mal, tentei fazer o mesmo. Olhei ao redor e não vi outra cama. Será que o acompanhante além de jantar às cinco horas, tem que dormir em pé? Ana me apontou um sofá que virava cama.

Será que dá para você armar pra mim, Ana? Estou passando tão mal. Não me agüento em pé.
O sofá, quebrado, só abria de um lado. Acompanhante, pensei, é tratado como a mosca do cavalo do bandido. Tive que me ajeitar, para caber no sofá, como uma Calói dobrável. Ficamos ali os dois deitados, em silêncio. De vez em quando, passando mal, pedia a Ana para pegar um copo de água, para fechar a cortina. Às vinte e trinta entraram no quarto o médico, seu auxiliar e o anestesistas, todos da Aeronáutica (Ana foi operada por uma junta militar. Aliás, constatei que os militares são muito melhores na medicina do que no poder). Queriam ver como estava a paciente:

- Primeiro aqui, senhores - gritei estirado na cama. - Aqui, por favor. Eu pedi primeiro. Estou sentindo uma fisgada aqui, com vontade de vomitar, o corpo todo me dói... Estou ficando doente aqui nesse hospital.

Os médicos me disseram que estava tudo bem. Não acreditei, é claro. Senti que queriam se descartar logo do acompanhante para examinar a paciente. Continuei ali, gemendo, sofrendo horrores, até o momento em que as enfermeiras entraram com a cama de rodinhas para levar Ana. Foi um momento dos mais dramáticos. Agarrei-me como pude na cama. As enfermeiras me empurraram e saíram com Ana. Fui me arrastando pelo corredor, aos gritos:
Socorro! Por favor, não me deixem sozinho neste quarto. Socorro!

Nem vi quando Ana voltou da sala de cirurgia. Estava completamente dopado. Passamos os dois uma noite difícil. Várias vezes fui obrigado a chamar a enfermeira para me acudir. Elas entravam no quarto e quando viam que era para atender o acompanhante, soltavam um muxoxo e se retiravam contrariadas. Um completo desprezo. Dia seguinte, não sei o que seria de mim sem a Ana para me levar ao banheiro, para me dar remédio, para apanhar um copo de água. Felizmente, correu tudo bem.

Ontem, Ana voltou para casa. Eu continuo no hospital. Devo ficar ainda por mais dois dias convalescendo da operação dela.